Rocha, H.H.A.G.: Leucemia Linfoide Crônica: Tratamento e sobrevida- Rev. IEHE, 5(½): 5-9,1988

 

Cento e vinte e nove (129) pacientes matriculados no IEHASC durante o período de 1959 a 1985, com o diagnóstico de leucemia linfoide crônica, foram estudados retrospectivamente. Todos foram estadiados clìnicamente, de acordo com o critério de Rai.

A diferença entre a nossa casuística e de Rai consiste em termos um maior número de pacientes diagnosticados em estadios mais avançados da doença.

Apesar desse fato, a sobrevivência global não difere significativamente em relação aquela encontrada por Rai ou por outros pesquisadores.

Na nossa opinião, o diagnóstico em estadios mais avançados da doença não modifica o valor do prognóstico da classificação de Rai.

 

INTRODUÇÃO

 

Credita- se a Velpeau, em 1827, a primeira descrição, na literatura médica, de um caso de leucemia. Tratava- se de um florista, de 63 anos, que adoeceu em 1825, com febre, astenia, protusão abominal e sintomas causados por litíase renal. Êle faleceu logo após a admissão hospitalar; à necropsia foi encontrada volumosa hepato- esplenomegalia e o sangue, à microscopia era espesso, parecendo em consistência e cor a levedo de cerveja. Barth(1), em 1839, no estudo necroscópico de um de seus pacientes verificou, ao microscópio, que mais da metade dos glóbullos sanguíneos consistia de “glóbulos mucosos”indistingíveis dos encontrados nas secreções purulentas.

O termo leucemia foi adotado pela primeira vez em 1847 por Virchow (7), e Turk (6), em 1903, reuniu as leucemias linfóides agudas e crônicas. Dameshek (3) descreveu a leucemia linfoide crônica (LLC) como uma doença cumulativa de linfócitos maduros imunològicamente incompetentes.

O diagnóstico da LLC é realizado na presença de linfocitose absoluta e persistente no sangue periférico. Geralmente há mais de 15 000 células/mm3. A medula apresenta- se hipercelular, sendo mais de 40% das células compostas de linfócitos. Os linfócitos, tanto no sangue periférico quanto da medula óssea, são pequenos, do tipo “bem diferenciados”, sendo confundidos, algumas vezes, com os encontrados no L:infoma Não- Hodgkin bem diferenciado leucemizado, da classificação de Lennert (4).

Na LLC, a linfadenomegalia é gradual, assim como a hepatoesplenomegalia, devido à infiltração de linfócitos neoplásicos durante a evolução da doença. A incompetencia imunológica da população celular linfóide, que se expandiu, predispõe os pacientes a infecções e fenômenos autoimunes, como a produção de anticorpos contra hemácias e plaquetas.

Rai (5) em 1975 desenvolveu um sistema de estadiamento da LLC que tem representado um papel importante na avaliação da progressão e prognóstico da doença.

Êste trabalho tem como objetivo estudar os pacientes com LLC, estadiados de acordo com a classificação de Rai, matriculados no Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (IEHASC) entre 1959 e 1985.

 

PACIENTES E MÉTODOS:

 

Os prontuários de 129 pacientes com diagnóstico de LLC foram estudados. O critério para inclusão no trabalho foi o citomorfológico, universalmente aceito para a doença. Os pacientes foram estadiados de acordo com a classificação de Rai (tabela 1).

 

                                    TABELA 1

Estadiamento Clínico da LLC ao tempo do Diagnóstico ( RAI)

Estadio                                                    Definição

0                       linfocitose absoluta > 15 mil/mm3 no sangue periférico; linfocitose de   MO>40%                       

I                        linfocitose e adenomegalias

II                       linfocitose e esplenomegalia, hepatomegalia ou ambas.

III                      linfocitose e anemia; Hb menor que 11g/dl ou V.G. menor que 33%. Pode não

                          haver adeno, hepato ou esplenomegalia.

IV                      linfocitose e trombocitopenia (plaquetas <  100 000/mm3).

 

As curvas de sobrevivência foram obtidas através do método de Kaplan Mayer.

 

RESULTADOS:

 

Dos pacientes estudados, 103 eram brancos, 17 pardos e 9 pretos. 69 pertenciam ao sexo masculino e 60 ao feminino (1,15:1). A média de idade ao tempo do diagnóstico foi de 62 anos.

Dos 129 casos, 58 (44%) abandonaram o tratamento por diversas razões e foram considerados perdidos no acompanhamento.

Durante a evolução dos 71 casos restantes, 9 desenvolveram outro tipo de cancer: 3 de pele, 1 LLA, 1 gástrico, 1 pulmonar, 1 de reto, 1 de endométrio e 1 de meninge. Quatro (4) desenvolveram anemia hemolítica autoimune e dois (2) tiveram diagnóstico de leucemia pro- linfocítica.

A sobrevivência global, independentemente do estadiamento ao final de 17 anos de acompanhamento foi de 35%. Cerca de 50% dos óbitos ocorreram nos primeiros 3 anos de evolução da doença.

Quando se analisa a curva de sobrevivência  de acôrdo com o estadiamento, observa-se que 88% dos casos no estadio 0 estavam vivos ao final de 11 anos de acompanhamento. Dos casos no estadio I, 50% estavam vivos ao final de 17 anos de acompanhamento. A média de sobrevivência neste estadio foi de 113 meses. No estadio II a média de sobrevivência foi de 39 meses, estando 44% vivos ao final de 11 anos de acompanhamento. A média de sobrevivência no estadio III foi de 24 meses e no estadio IV de 20 meses. Ao final de 8 anos de acompanhamento, 39% dos casos do estadio III continuavam vivos, enquanto no estadio IV todos estavam mortos.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

 

A Leucemia Linfoide Crônica (LLC) é uma doença compatível, em grande número de casos, com longa sobrevivência. A análise da nossa casuística corrobora esta afirmação, pois ao final de 17 anos de acompanhamento cerca de 35% dos pacientes continuavam vivos. Essa taxa de sobrevivência não difere da encontrada em outros centros (2,5).

Apesar da boa evolução da doença em número razoável de casos, sabe- se que em alguns pacientes ela evolui de forma malligna. Para definir os grupos de risco, Rai (5) estabeleceu um estadiamento que parece definir adequadamente o prognóstico da doença. Por este motivo, separamos a nossa população de pacientes de acordo com esta classificação (tabela 1).

Quando cotejamos nossos dados com os do próprio Rai (5) e Binet (2), verificamos que 78,9% dos nossos casos encontravam- se no estádio II, III ou IV, contra 59,2% de Rai e 45,7% de Binet (tabela 2). Quando comparamos os estadios III e IV verificamos que 40% da nossa população encontrava-se nesse estadio contra 28% de Rai  e 17,7% de Binet. Muitos são os fatores envolvidos na maior incidência da doença mais avançada em nossa população. Provavelmente a massificação do atendimento médico, a formação deficiente de médicos em nosso meio, em relação aos problemas hematológicos, aliados à pouca educação da população e à insensibilidade do governo com relação aos problemas ligados à saúde, sejam os fatores mais importantes para explicar a diferença observada.

 

                                                         TABELA 2

Distribuição dos Pacientes de Acordo com a Classificação de Rai

Estadio                              Rai%(7)                     Binet % (8)                      IEHASC %

                                         (N= 125)                   (N= 196)                           (N= 129)

0                                         17,6                          25,0                                   13,2

I                                          23,2                          29,6                                     8,5

II                                         31,2                          28,0                                   38,5

III                                        16,8                           8,1                                    20,9

IV                                        11,2                           9,6                                    19,4

 

 

A análise da sobrevivência por estadios mostrou que a nossa população não diferiu da observada por Rai e Binet, exceto no estadio II, onde na nossa casuística, foi menor. A explicação para a diferença reside no fato de ser este o grupo de pacientes onde estavam concentrados todos os que desenvolveram outras neoplasias malignas, exceto um.

Com base em nossos resultados e comparando- os com os de outros centros, concluímos que:

1)      a população de pacientes com LLC do IEHASC apresenta, ao tempo do diagnóstico, doença em fases mais avançadas do que em outros centros.

2)      a sobrevivência global é semelhante a de outros centros (35% em 17 anos de acompanhamento).

3)      os estadios 0 a II representam as fases iniciais da doença e os estadios II e IV, fases terminais.

4)      o estadiamento proposto por Rai é de grande valor prognóstico na LLC.

 

SUMMARY

 

One hundred and twenty nine patients with the diagnosis of chronic lymphocytic leukemia were studied in the IEHASC between 1959 and 1985. All patientes were classified according Rai staging criteria.

The difference between our and Rai’s cases was the fact that the diagnosis were made in advanced stages. The author discuss the fact that here in Brazil the patients come to be treated  when their diseases are in advanced stages mainly because of the people  and the clinicians’ ignorance  in refering the cases sooner to the hematologists care. Despite thie, our media survival time was not different.

On the author’s oppinion, the diagnosis of the CLL in advanced stages does not change the merit of the Rai’s classification.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1  BARTH, I. Altération du sang remarquable par la prédominance des globules blancs muqueux;hypertrophie considerable de la rate. Bull. Soc. Mé. Hôp. (Paris), 3: 39,1956.

 

2  BINETH, J. L. et al. A new prognostic classification of chronic lymphocytic leukemia derived from a multivariate survival analysis. Cancer, 48: 198, 1981.

 

3  DAMESHEK, W. Chronic lymphocytic leukemia- an accumulative disease of immunologically incopetent lymphocytes. Blood, 29: 566, 1967.

 

4  LENNERT,K. Malignant lymphomas other than Hodgkin’s disease. Berlin, Springer- Verlag, 1978.

 

5  Rai, K.R. et al. Clinical staging of chronic lymphocytic leukemia.Blood, 46: 219, 1975.

 

6  TURK, W. Ein System der lymphomatosen. Wien Klen Wochen schr, 16: 1073, 1903. Apud: GUNZ, F. & HENDERSON, E. Leukemia. New York, Grune & Stratton, 1983.

 

7  VIRCHOW, R. Weisses blut und milztomuren II med. ZIG, 9: 15, 1847. Apud: GUNZ, F. & HENDERSON, E. Leukemia. New York, Grune & Stratton, 1983.